quinta-feira, 19 de janeiro de 2017

ESTHER PROENÇA SOARES, 88 ANOS, POETA.

 
 
 
 
Já faz algum tempo que conheço Esther Proença Soares. Nos meus últimos lançamentos de livros em São Paulo ela compareceu. Sempre conversamos um pouco. Gosta de conversar sobre literatura, mas prefere ser chamada, sempre, de professora. Soube um dia que ela já havia publicado um livro de contos, "Inventário das Sobras" e um magnífico livro para crianças, com uma linguagem primorosa e ilustrações de Kik Neves. Ela explica que trata-se de um livro em linguagem infantil para escritores nascentes, com algumas informações sobre teoria literária. Mas o que Esther Proença Soares queria mesmo era me mostrar um livro de poemas que escreveu ao longo dos anos. Queria saber de mim se eram poemas mesmo ou se somente palavras sobre palavras. Li o livro "Disco de Cartolina", que está saindo agora pela Pólen Editorial de São Paulo. Fiquei encantado. Conversamos sobre o original, trocamos ideias num longo café na Avenida Paulista, falamos sobre poesia exaustivamente. Ao ver o livro de Esther publicado chego a pensar que ainda é possível acreditar. Os tempos são de sombras, mas ainda é possível acreditar.     
 
                                                              *
 
No primeiro poema de seu livro, Esther Proença Soares, 88 anos, explica que chegou de caravela e navegou luares. Na verdade, navegou muitos luares, infindáveis luares que vivem nela e nas suas palavras cuidadas com zelo. Agora, depois de tanto tempo a navegar sentimentos, diz que anda a cultivar poemas. O livro “No disco de cartolina a vida se somou” é uma autobiografia em versos, cuidadosamente elaborada, buscando dentro de si momentos que vivem ainda, mesmo vestidos de um passado que não se esquece, porque tudo vive. Esther abre seu livro com versos do poeta Manoel de Barros e essa epígrafe revela a trajetória deste livro: “Buscar beleza nas palavras é uma solenidade de amor”. Exatamente isso. O livro de Esther – poderia ser um título – é mesmo uma solenidade de amor, uma cerimônia de cultivar a vida, todos os instantes da vida, todas as dores da vida e os possíveis gestos que essa mesma vida ainda tem de generosidade. Em um poema ela afirma que seu poema é o eco certo e matemático de cada grito, de cada pulsação. É assim que essa poeta colhe sua poesia a caminhar distâncias, ausências, figuras quase apagadas na memória, ferimentos, confissões. Muitas vezes, uma longa carta de amor. Outras vezes a palavra que renasce em si mesma dentro de um poema. Por isso, Esther é uma poeta que escreve versos assim, de extremada beleza: ”Enquanto tu, eterna obreira, teces/ no vai e vem de tua agulha tecedeira/.../”. Certamente refere-se a ela mesma, tecedeira de palavras com as agulhas às vezes dolorosas da poesia. Nesta longa carta de amor em forma de poemas, Esther também se mostra perplexa com um tempo muitas vezes sem alternativa, em que tudo se transforma. Deixa claro que, mesmo diante desse cenário de quase tudo destruído, ela ainda canta a sua Pauliceia Desvairada, lembrando a figura de Mário de Andrade e de uma cidade que um dia existiu, hoje não existe mais. Hoje vive nos pedaços das esquinas, nas sombras caminhantes que percorrem os jardins que desaparecem. No entanto, a poesia de Esther nada tem a ver com Mário de Andrade, e a cidade desvairada foi, neste caso, um silêncio que saltou mais forte dentro do poema. No entanto, essa perplexidade existe não somente em relação à Pauliceia, mas à vida e ao tempo que passou e apagou tantas coisas. “Para fazer um poema/ não basta empilhar versos/ resgatar um sentimento/ ou lamento”, diz a poeta em um poema que, antes de ser a palavra da poesia, é a palavra da poeta, revelando, a esta altura da vida, a sua seriedade em lidar com os seres invisíveis que surgem em forma de versos. Por esse motivo, observa que a ordem, agora, “é seduzir as incoerências, o jogo de sombra e luz, e invocar as transgressões, o caos das palavras”. Aí reside essa poesia, a palavra que se tece, que se cuida, que se elabora, No final de tudo, “fazer um poema é uma celebração”. E é mesmo. Pelo menos para os poetas sérios, o que está difícil de encontrar num tempo de profunda negação da vida. Caminhar estas páginas representa uma viagem, uma longa viagem poética que tem a vida no palco a ser vivida por personagens que vivem dentro de Esther. Ela escreve: “Escrever um poema é ousadia enorme/ Desculpem se cometo assassinatos nos meus versos/ Eles brotam em mim e me sufocam/ pedindo para nascer/ ser minha história”. É, sim, a história de uma vida que se deixou viver, muitas vezes uma verdadeira batalha, outras. a cerimônia de poder colher os instantes que se fizeram inesquecíveis. A poeta Esther Proença Soares confessa em um de seus poemas sentir que sua alma é de vidro que se estilhaça. Mas num mundo assim, certamente isso seja normal, porque as almas estão mesmo curvadas: “Muitas vezes como um gato/ enrolo-me no abrigo de mim mesma/ lambendo minhas feridas”. As feridas existirão sempre. O que vale mesmo é o encantamento que este livro oferece, uma palavra poética feita especialmente por tudo que se viveu.                          

Um comentário:

  1. Esther Proença, naturalmente, deve encantar a todos com esta alma tão sensível e com seus belos poemas.
    Álvaro, você teve o grande privilégio de ter sido escolhido para dar seu parecer sobre os poemas da Esther.
    Ela é linda e traz a marca inconfundível de um lindo sorriso iluminado que deve refletir a beleza de sua alma.
    Pelo seu comentário, Esther deve ser uma poetisa dedicada, profissional, talentosa e portadora de uma grande inspiração e dignidade.
    Professora, estou encantada! E não vejo a hora de ter essa perola em mãos..."Disco de Cartolina"
    Poeta, obrigada por eu ter a oportunidade de conhecer através de seu blog esta encantadora poetisa Esther Proença.
    Abraços imensos...

    ResponderExcluir