quinta-feira, 25 de janeiro de 2018




A cidade rodopia na minha cabeça
E eu rodopio na cabeça a cidade,
Como um duende doente que não acredita que eu existo,
Essa fada da rua da Consolação que me espera descalça,
A Paulista onde danço meus caprichos e dores que não sei mais curar

Eis a cidade que me comove e me faz chorar nos cantos das noites
No colo das mulheres tristes,
Essas que me recebem com um ramo de flores
E rezam comigo nas igrejas fechadas,
Nos cafés amargurados de açúcar,
O abraço perdido no corpo
O grito que escorre pela boca como saliva enlouquecida.

Assim caminho alucinações de São Paulo de bondes antigos
Que ainda vivem na minha memória,
Os cemitérios que me guardam,
As cartas de amor que esqueci na gaveta,
O incêndio que me queima por dentro 
Quando atravesso a Brigadeiro em busca de uma livraria,
Onde estão os livros mortos
Deixando cair poemas pelas estantes,
Palavras suicidas que se perdem nos sapatos antigos que ainda calço.

Nada quero de ti, cidade, nada quero de ti, senão viver o que me cabe.
Viver a possibilidade de viver, essa angústia de todos os dias,
Os entardeceres que guardo no bolso
como se eu fosse um colecionador de noites.

Estou sempre anoitecendo em mim com tuas luzes apagadas,
Tua ciranda e estações do metrô onde me enfio debaixo da terra
Para pensar um pouco e me procurar, já que fugi de mim
E sou um homem sem alma numa cidade que esqueceu e viver,
Cidade de mil faróis como um navio que naufraga na Praça da Sé
E renasce na São Judas, o santo dos desesperados,
Onde rezo pecados que não cometi, todos os pecados que não tenho mais,
Essa estrela que tenho no céu da boca,
Esse guarda-chuva que guardo debaixo do braço, como um velho homem
Que caminha devagar com mãos trêmulas perdidas nos bolsos.   


Faz alguns dias calcei meus sapatos
mas esqueci meus pés debaixo da cama.

Quero dar a São Paulo um bolo repleto de chantili,
Desses que escorrem pelas bocas dos meninos e meninas das ruas,
Quero cheirar contigo os ópios da cracolândia
E quero dormir nos hotéis sem portas onde eu possa me matar
Sem ser visto por ninguém,
Já que nada importa, nada importa, nada importa, nada importa,
Já que nada importa quero ver os luminosos vermelhos
Na cara dos prédios com olhos de raiban
Os moradores de rua que caminham por tuas ruas,São Paulo,
Em busca da vida que se perdeu,
Um prato de comida dividido com o cão,
Tua solidariedade São Paulo, tua perversidade,
Tua crueldade e teu abraço tantas vezes comovente.
Quero andar de patins e mergulhar no lago do Ibirapuera
Para despedir-me de mim para sempre.

A mulher que amo vai deixar-me amanhã
Mas vou deixar a porta aberta
Para que entrem os pássaros na tarde
E que me falem os deuses da noite.

Amo as putas da rua Aurora com dor que já faz parte de mim. 

Na cidade caminho com meu rádio de pilha que não funciona
E olhos as horas no meu relógio de pulso que parou  4 anos.
Ando assim como quem não anda e parou no tempo,
Porque em São Paulo o tempo deixou de existir
E Deus está escondido na Catedral da Sé arrependido do que fez.

Sou monge de mim e vivo num mosteiro que não conheço.
Tenho minha cama e uma janela que às vezes abro ao sol.
Divido com os pássaros as amoras, as romãs, laranjas, as maçãs.
Só não sei rezar, mas Deus aceita meu silêncio.

Guardo um livro no coração e uma estrela que se apagou,
Aquela que caiu no meu quintal como uma planta.

Ando em mim na cidade que me habita
E me envolve dos pés à cabeça,
Como um amor que não se esquece nunca, que faz sofrer,
Sou assaltado nos meus sonhos em todas as esquinas
E a moça que me olha terna procura um amor qualquer para viver.

Tenho o coração enterrado no Pátio do Colégio.

Cidade cicatriz de mim, São Paulo que guardonuma bolsa,
A rua Frei Caneca onde nasci não tem mais casas de janelas azuis,
Não existem mais casas de janelas azuis
E as floriculturas do Largo do Arouche
estão tristes com a falta de namorados.

Os namorados não existem mais nem se abraçam na Praça da República
Nem vão mais ao cine Bijou para comprar margaridas.

Cidade que nasce e morre em mim,
Teu ferimento é meu ferimento,
Esse ferimento que não sara,
A angústias de todos os dias, de todos os instantes,
Os minutos que não passam mais.

Cidade que me habita, guarda o que tenho de triste
E esquece a possível alegria dos dias inesperados.

Quero apenas viver o tempo necessário para te amar sempre muito mais,
Quem sabe eu me encontre em ti, cidade, com minhas palavras trêmulas.

Guardo em mim o que não guardo e tenho em mim o que não tenho,
A poesia que ainda resta nos teus becos,
É lá que estou entre os pedidos,
Até que tudo termine de vez.

                             Álvaro Alves de Faria