terça-feira, 29 de agosto de 2017

O HOMEM ANTIGO CADA VEZ COMPREENDE MENOS DO MUNDO E DAS PESSOAS.

(POR FAVOR, NÃO DEIXAR COMENTÁRIO)


O homem antigo não sabe para onde ir, esqueceu os caminhos.
O homem antigo não compreende mais as coisas.
O homem antigo está sempre se enganando com as pessoas.
As pessoas são esquisitas.
As pessoas mudam.
As pessoas se transformam.
O homem antigo não consegue entender.
O homem antigo não quer entender.
E se entender, o homem antigo ficará ainda mais triste do que já é.
O homem antigo não sabe o que mais dizer.
O homem antigo cansou de caminhar estradas a vida inteira e parece que isso nada valeu.
O homem antigo não compreende as pessoas que se transformam não se sabe em quê.
As pessoas vão desaparecendo porque deixam de ser o que eram.
O homem antigo pergunta por que mas não sabe se responder.
O homem antigo quer ficar sozinho.
O homem antigo precisa do cheiro e do barulho do mar.
O homem antigo sabe que a poesia não admite deslumbramento.
Alguns ficam deslumbrados, mas a poesia é dor.  

quinta-feira, 10 de agosto de 2017

CHACRINHA ENTREGA AO POETA O TROFÉU "VELHO GUERREIRO".

(POR FAVOR, NÃO DEIXAR COMENTÁRIO)



Pois é, eu recebi das mãos do Chacrinha o Troféu Velho Guerreiro, que ele concedia a alguém
só em circunstâncias especiais. Recebi o troféu de Chacrinha quando o DOPS proibiu definitivamente "O Sermão do Viaduto", que eram os poemas que eu lia em pleno Viaduto do Chá, em São Paulo, com microfone e 4 alto-falantes. Fiz 9 recitais no local e fui detido 5 vezes. As coisas todas estavam difíceis. Como um jovem jornalista, mas já editor de um suplemento cultural nos Diários Associados e também participante de um programa de entrevistas políticas na extinta TV Tupi, eu era observado à distância. Nesse tempo em que o DOPS proibiu de vez O Sermão do Viaduto, eu e o Nélson Rubens, hoje na Rede TV!, trabalhávamos juntos. Éramos amigos de muitas loucuras, amizade que existe até hoje. Nélson Rubens era o assessor direto de Chacrinha, que tinha seu programa na extinta TV Excelsior, na rua Nestor Pestana. Partiu do Nélson Rubens a ideia de o Chacrinha me conceder o Troféu Velho Guerreiro. Mas será que ele, o Chacrinha, iria comprar essa briga contra a ditadura? Pois o Chacrinha aceitou a ideia. E lá fui eu para o programa. Naquele tempo, os convidados ficavam numa pequena mesa no palco. Sentei-me com a Vanusa que, naquela noite, veio para São Paulo pela primeira vez para cantar em um programa de televisão. Veio de Funchal, em Minas Gerais. O Chacrinha sabia bem o que significaria a entrega do troféu para mim. Mas foi em frente e revelou imensa generosidade, colocando-se contra o que vinha acontecendo no Brasil. Quando me chamou, Chacrinha disse mais ou menos assim: "Alôôôô!!! Atenção!!!Este aqui é o poeta Álvaro Alves de Faria, que fala poesia no Viaduto do Chá. Este aqui é o poeta do Viaduto. Já foi preso 5 vezes por dizer poesia no Viaduto que fica cheio de gente. O poeta do Viaduto diz o que tem que ser dito. Agora O Sermão do Viaduto foi proibido. Por isso o poeta está aqui para ser homenageado com o Troféu Velho Guerreiro. Taqui o troféu, poeta! Palmas para ele, palmas para ele!". Lembrei-me disso vendo um dia destes um programa inteiro do Chacrinha, gravado já na TV Globo, num canal da Globo que repete programas antigos. O velho guerreiro mostrou a sua cara. Por isso Gilberto Gil fez aquele samba para ele, quando teve de deixar o país, junto com o Caetano, para viver em Londres. Naquele noite que recebi o troféu Velho Guerreiro fomos todos comemorar na Galeria Metrópole, que passou a ser o ponto de encontro de todo mundo. Estavam todos lá. Todos tínhamos 20 anos. Lembro-me que Geraldo Vandré ficou o tempo todo sem dizer uma única palavra. Melhor dizendo, falava sozinho.Vanusa começou a namorar o Antônio Marcos e Caetano, parecendo mais jovem do que era, fazia planos para a carreira de sua irmã Maria Betânia. Saímos de lá ao amanhecer.         

terça-feira, 8 de agosto de 2017

O NOME "POETA" FAZ RIR OU PROVOCA RESPEITO?.

(POR FAVOR, NÃO DEIXAR COMENTÁRIO)


Faz algum tempo que, todas as tardes, vou à Livraria Saraiva, no Shopping Morumbi. Vou a pé, atendendo a pedido médico. Ele diz que eu tenho de caminhar. Tomo um café, descanso ou pouco e volto para casa. Não é muito distante, mas cansa, pelo menos a mim. No Café da Saraiva tem sempre uma pequena fila. A gente pede o que deseja, paga e fica numa mesa esperando que o chamem. A primeira vez a moça perguntou: "Qual é seu nome?". Álvaro, respondi. Ela não entendeu. Perguntou de novo. Respondi de novo. Quando meu café com leite estava pronto, outra moça chamou: "Aldo!". Fiquei no meu lugar. Até que descobri que ela se referia a mim. Fui buscar o meu café, tomei, fiquei lá um pouco e fui embora. No outro dia, estava uma outra moça no caixa: "Qual é seu nome". Álvaro, respondi. Não entendeu. Fui para a mesa. Até que a moça que prepara o café chamou: "Ado!". Descobri que se referia a mim. Então parei de dizer meu nome. E disse como todo mundo me chama. Cheguei ao Caixa, a moça perguntou: "Como é seu nome?". Poeta, respondi. "Poeta????". É, Poeta, tem algum problema? A moça, rindo, disse que não. Fui para a mesa e esperei. Até que uma das moças que prepara o café gritou: "Poeta!!!!!!". Levantei-me e fui pegar meu café. Aí reparei que todo mundo, mas todo mundo mesmo, olhava para mim, como se nome "Poeta" fosse uma aberração. E isso tem acontecido todos os dias. Quando a moça chama "Poeta!!!!!" todos os olhares se voltam para mim. Umas menininhas bobas que não sabem de p. nenhuma de qualquer e coisa, ficam me olhando na mesa, falando baixinho e rindo. Chego à conclusão que chamar alguém de "Poeta" parece algo assustador ou engraçado demais. A cena se repete todos os dias. Alguns riem, mas muitos me olham com respeito. Respeito mesmo. Muitos já foram até à minha mesa conversar. Mas as menininhas que não sabem de p. nenhuma de nada, continuam rindo. Não são sempre as mesas. Mas são todas iguais. Estão preocupadas com o celular. Ontem estavam me olhando tanto e dando risinhos bobos, que falei a uma delas o meu nome inteiro e lhe disse: "Me procure aí no seu celular!". Não sei se o fez. Nem me interessa saber. Seja como for, não é fácil ser chamado de "Poeta". Talvez signifique louco, idiota, qualquer coisa assim. Se causa algum respeito, também causa risinhos de deboche. No fundo, nessas horas, em me sinto um ET. Pensando bem, um poeta deve ser mesmo um ET neste tempo de muitos equívocos.    

quinta-feira, 3 de agosto de 2017

O POEMA E SUAS RIMAS






(POR FAVOR, NÃO DEIXAR COMENTÁRIO)

Este poema que deixo hoje no blog pertence ao meu livro "A memória do Pai", publicado em Portugal em 2006. Faz parte, também, da coletânea "Alma Gentil: Raízes", título dado por Nelly Novaes Coelho, publicada no Brasil em 2010. "Alma Gentil" reuniu no mesmo volume sete livros meus publicados em Portugal. Este poema é resultado da transformação de minha poesia, quando passei a me dedicar à poesia portuguesa, cansado do que se escrevia no Brasil, sem generalizar. Sempre repito: sem generalizar. Cansei-me das soluções fáceis, da mediocridade mesmo, uma produção de "poesia" duvidosa enaltecida pelos suplementos culturais brasileiros inconsequentes. Minha experiência com a poesia de Portugal durou exatamente 16 anos. Em termos de poesia, foi o que de mais importante que fiz na vida de poeta. O último livro que escrevi nessa busca de minhas próprias raízes portuguesas chama-se "23 Elegias da Mão Esquerda", que será lançado em Portugal, em Coimbra, no mês de outubro. As 23 elegias foram escritas em Coimbra, em duas temporadas que passei em Portugal, em 2014 e 2015. Essa dedicação à poesia portuguesa me levou a Portugal muitas vezes. Em alguns anos, cheguei a viajar quatro vezes para a terra de meus pais. Minha mãe, Lucília, nasceu em Anadia, a 25 quilômetros de Coimbra. Meu pai, Álvaro, nasceu em Angola. Essa experiência com a poesia portuguesa, em 16 anos seguidos, me rendeu 16 livros de poesia e um pequeno romance chamado "Cartas de Abril para Júlia" que começou a entrar também na linguagem da narrativa espanhola do tempo de Cervantes. Todos esses livros estão publicados em Portugal. Este poema que deixo hoje no blog tornou-se obrigatório nas leituras que faço. Li o poema pela primeira vez no Teatro Gil Vicente, em Coimbra, e tive de repeti-lo. E cada vez que estou em Portugal, faço leituras de poemas e este é obrigatório. Também tornou-se obrigatório aqui. Sou chamado de poeta luso-brasileiro, em publicações portuguesas. A experiência com a poesia de Portugal levou-me aos versos metrificados e também às rimas. Em um dos livros que publiquei em Portugal, "67 Sonetos para uma Rainha", uso rimas de Camões e versos decassílabos, com acentuação tônica em cada sílaba par, o que destaca o ritmo do soneto, constituído de 14 versos - 2 quartetos e 3 tercetos. Também escrevi nos "67 sonetos" versos alexandrinos e ainda muitos sonetos com rimas internas e finais. Não é fácil. Foram 16 anos de dedicação total em busca da poesia séria, que não se perde em facilidades ou em jogo de palavras que se tornou coisa comum na poesia brasileira. Sou severo no que diz respeito à poesia. Minha vida inteira, desde os 11 anos de idade, foi dedicada à poesia que escrevo com consciência. Poeta 24 horas por dia. Num destes dias, precisei de um poema de "A Memória do Pai" e acabei lendo este poema número 22 e suas rimas, em versos de sete sílabas. É, confesso, uma espécie de provocação a muitos que aqui se dizem poetas e não entendem coisa nenhuma de poesia e de poema. Este texto soa como cabotino, mas asseguro que não é. É raiva mesmo. De qualquer maneira, é um poema que escrevi de uma só vez e que me deixou feliz especialmente pelo seu desfecho e pelo seu percurso poético descrito na 1a. pessoa. Deixo então no blog este poema para os meus 19 leitores. O importante é sentir. A poesia é um pulo no abismo sem saber voar. Não sei voar. E sempre estou pulando no abismo que tenho dentro de mim mesmo.



Pouco sei desta memória
das vidas que desconheço

nem me sei voltar em mim
neste tempo em que padeço

a misturar todas as coisas
no que se mostra do avesso

nada sei do que me faço
nem da dor sei o começo

nunca vou onde me quero
nem me faço o que me peço

espero que chegue o dia
nesta noite em que me esqueço

minha palavra que morre
no silêncio mais espesso

vivo de mim a fugir
onde sempre permaneço

para dentro deste mar
onde em sonho me arremesso

de meu quarto sempre parto
a esperar por meu regresso

se viver é meu desejo
de morrer não me impeço

pouco sei desta memória
das vidas que em mim pereço

tantas mortes que perdidas
têm em mim seu endereço

os navios que partem breves
no oceano que escureço

este frio em minha pele
nesta blusa que não teço

quando vou ao meu encontro
mais em mim desapareço

ao fazer o meu discurso
as palavras emudeço

às vezes entro num parque
e ao ser feliz me entristeço

quanto mais me quero vivo
dentro de mim adoeço

não percorro meu jardim
pelas flores que feneço

vivo por mim a rezar
mas sempre destruo o terço

não olhar dentro de mim
é assim que me conheço

faço tudo em meu contrário
nesta escada que não desço

tiro o chapéu às pessoas
mas no gesto me despeço

só me vejo em minha ausência
encontrar-me não mereço

quando a andar evito as pedras
muito mais em mim tropeço

nada sei desta memória
no entanto resplandeço

assim se faz o poema
na medida que não meço

sei-me inútil na poesia
na palavra que adormeço

quanto mais explico o verso
quase nada esclareço

e quando me torno bárbaro
na verdade me enterneço

preciso dos meus cuidados
mas em mim me desguarneço

sei que a dor me mata aos poucos
mas com ela me envaideço

brilha-me o sol à janela
mas só a treva enalteço

no espelho em que me vejo
nada em mim me reconheço

falam-me os provérbios sábios
mas com eles ensurdeço

quando penso em nascer
sinto mais que envelheço

e quando me penso lúcido
muito mais me enlouqueço

quanto mais chega a manhã
mais em sombras anoiteço

quanto mais me desfiguro
mais comigo me pareço.

 

 

 

Pouco sei desta memória
das vidas que desconheço

 
nem me sei voltar em mim
neste tempo em que padeço

 
a misturar todas as coisas
no que se mostra do avesso

 

nada sei do que me faço

nem da dor sei o começo

 

nunca vou onde me quero

nem me faço o que me peço

 

espero que chegue o dia

nesta noite em que me esqueço

 

minha palavra que morre

no silêncio mais espesso

 

vivo de mim a fugir

onde sempre permaneço

 

para dentro deste mar

onde em sonho me arremesso

 

de meu quarto sempre parto

a esperar por meu regresso

 

se viver é meu desejo

de morrer não me impeço

 

pouco sei desta memória

das vidas que em mim pereço

 

tantas mortes que perdidas

têm em mim seu endereço

 

os navios que partem breves

no oceano que escureço

 

 

 

 

este frio em minha pele

nesta blusa que não teço

 

quando vou ao meu encontro

mais em mim desapareço

 

ao fazer o meu discurso

as palavras emudeço

 

às vezes entro num parque

e ao ser feliz me entristeço

 

quanto mais me quero vivo

dentro de mim adoeço

 

não percorro meu jardim

pelas flores que feneço

 

vivo por mim a rezar

mas sempre destruo o terço

 

não olhar dentro de mim

é assim que me conheço

 

faço tudo em meu contrário

nesta escada que não desço

 

tiro o chapéu às pessoas

mas no gesto me despeço

 

só me vejo em minha ausência

encontrar-me não mereço

 

quando a andar evito as pedras

muito mais em mim tropeço

 

nada sei desta memória

no entanto resplandeço

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

assim se faz o poema

na medida que não meço

 

sei-me inútil na poesia

na palavra que adormeço

 

quanto mais explico o verso

quase nada esclareço

 

e quando me torno bárbaro

na verdade me enterneço

 

preciso dos meus cuidados

mas em mim me desguarneço

 

sei que a dor me mata aos poucos

mas com ela me envaideço

 

brilha-me o sol à janela

mas só a treva enalteço

 

no espelho em que me vejo

nada em mim me reconheço

 

falam-me os provérbios sábios

mas com eles ensurdeço

 

quando penso em nascer

sinto mais que envelheço

 

e quando me penso lúcido

muito mais me enlouqueço

 

quanto mais chega a manhã

mais em sombras anoiteço

 

quanto mais me desfiguro

mais comigo me pareço.