Este poema faz parte do livro "Três Sentimentos em Idanha e outros Poemas Portugueses", publicado em Portugal pela Editora Temas Originais, de Coimbra, em 2011. Agora será incluído no meu livro "O Uso do Punhal", já publicado no Brasil, em 2013, pela editora Escrituras-SP, e que está sendo traduzido na Espanha pela poeta Montserrat Villar González.
AQUELE HOMEM
Sou aquele homem que não
voltou,
que saiu de casa ao amanhecer
e se perdeu para sempre.
Sou aquele homem da
fotografia na parede
da casa fechada por dentro.
Sou aquele homem que inventou
a tarde,
mas não viu anoitecer.
Sou aquele homem que se
perdeu sem saber.
Aquele que não soube nunca,
sou aquele que não soube.
Sou aquele homem que
desapareceu,
aquele que acreditou,
e ao se ausentar de si mesmo
sentiu o vazio absoluto de
todas as coisas.
Sou aquele homem que se foi
e quando pensou em voltar
não tinha mais tempo,
era tarde demais.
Sou aquele homem que se
desfez
depois de enlouquecer
e enlouquecido
tentou refazer o seu destino.
Sou aquele homem que engoliu
um rio
e se afogou adormecido.
Aquele que falou sozinho
diante do espelho
se vendo do avesso.
Sou aquele homem que falava
com as pedras
palavras desesperadas
que saltavam da boca
como gafanhotos doentes.
Aquele homem que conversava
com os santos
numa igreja sem portas
e que dizia silêncios
em sílabas de gesso.
Sou aquele homem
que enfiou um punhal no
coração
como um poeta romântico do
século 18.
Sou aquele homem quase lírico
que chamava os pássaros
para uma ceia de sementes.
Aquele homem que rezava
com os anjos expulsos do céu,
sem saber que eu estava
expulso de mim.
Sou aquele homem que amou 30
mulheres
e matou-se por amor 29 vezes.
Sou aquele homem que ao jogar
xadrez
fugiu com a Rainha
para um castelo medieval.
Aquele que diante de Deus
pediu para ser destruído,
mas como castigo deixou-me
viver mais.
Sou aquele homem que amou
mulheres de porcelana,
com sexo de porcelana,
boca de porcelana,
beijo de porcelana,
língua de porcelana.
Sou aquele homem de porcelana
que se quebra como uma xícara
que cai da mesa.
Sou aquele homem que saiu para
dar uma volta
e esqueceu de regressar.
Encontrei na postagem sua de 28.12.2016 - Impressionei com tamanha capacidade de reflexão e poesia de singular beleza.
ResponderExcluirPara escrever um poema de tal grandeza, só um homem de cultura excepcional e inspiração profunda. Deve doer muito gestar esses versos, mas como é maravilhoso. Encantada Poeta Álvaro. Te admiro cada vez mais.
Este comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirNada me deixa mais feliz do que ler seus belos poemas!
ResponderExcluirFeliz Ano Novo poeta!
Desculpe,ter removido o comentário,foi por um erro do texto.
Eu não vou nem comentar a respeito;falta-me palavras,pra tal
ResponderExcluirTodavia--:--Pra Ele, não existe adjetivo- Ele é único!